Seria a punição a melhor solução para problemas humanos?
O
ambiente do ser humano em qualquer parte do mundo está repleto de agentes
punidores. As pessoas frequentemente se deparam com eventos naturais aversivos
como, por exemplo, temperaturas altíssimas no verão, chuvas torrenciais no
inverno, furacões, terremotos, dores musculares, cansaço, frio, fome, barulhos,
acidentes físicos, entre outros. Como se não bastasse a enormidade de eventos
indesejados, os homens, por possuírem uma longa história de aprendizagem
cultural na utilização da técnica de punição em suas relações interpessoais,
exercem controle sobre seus semelhantes quase exclusivamente pela coerção
(Sidman, 1989). Agências de controle como as religiões e o governo utilizam de
penitências e castigos, restrições físicas e de liberdade, para punir comportamentos
inadequados que não se encaixam nos padrões aceitos socialmente. Mas, afinal, o
que é punição?
Como vimos, as consequências ambientais
funcionam como modeladoras de nossos comportamentos. À medida que nos expomos
ao ambiente físico e social, nossas respostas tendem a se fortalecer ou a
desaparecer de nossos repertórios. Quando nos comportamos e temos bons
resultados, esse padrão passa a ser mais frequente, porém, quando agimos de
determinada maneira e coisas ruins acontecem, essas ações tendem a diminuir de
probabilidade. A punição consiste em uma relação funcional entre organismo e
ambiente, no qual as consequências retroagem no comportamento diminuindo sua
probabilidade futura. Para exemplificar, voltemos com nossa personagem de
postagens anteriores: Joana.
Joana é uma menina com hábitos
alimentares saudáveis, por isso, toda vez que vai ao mercado, costuma comprar
frutas e verduras. Porém, sempre que ela resolve ir às compras na
segunda-feira, se depara com vegetais velhos e deteriorados, diferente de
quarta, que é o dia de oferta hortifruti. Assim, diante desse contexto, sempre que
ela vê no calendário “segunda-feira” (Sd), a resposta de ir ao mercado (R) é
punida com a consequência aversiva de vegetais ruins (S–), o que, por sua vez, diminui
a probabilidade futura de Joana ir ao mercado nesse dia da semana.
As consequências aversivas agem no
comportamento diminuindo sua probabilidade, o que é importante no processo de
modelagem do repertório. Nossos comportamentos improdutivos tendem a sumir
diante dos mais variados contextos, permanecendo aqueles que promovem melhor
adaptação do organismo em seu meio ambiente. Se um bebê coloca o dedo na
tomada, terá como consequência um choque, o que alterará suas respostas futuras
fazendo com que o bebê evite as tomadas. Falar um palavrão no ambiente de
trabalho, por exemplo, tem como consequências críticas e expressões de
reprovação, o que, portanto, leva o sujeito a evitação desse tipo de palavreado
e assim por diante.
Como no reforçamento, o processo da
punição é divido em positiva e negativa. Ou seja, quando algum estímulo
aversivo é acrescentado ao ambiente, trata-se de punição positiva. Quando o
estímulo reforçador é retirado (subtraído) do ambiente, estamos falando de
punição negativa. Por exemplo, na hora de seu lanche da tarde (Sd), Joana morde
uma goiaba (R), em seguida, ela se depara com um bicho dentro da polpa (S–), o
que diminui a probabilidade dela continuar mordendo a fruta. Nesse caso, essa
seria uma situação de punição positiva, pois algo foi adicionado no ambiente da
pessoa. Veja o esquema de punição positiva a seguir:
A punição negativa pode ser
exemplificada da seguinte forma: todo dia Joana desce para o ponto de ônibus
(Sd) para ir para o trabalho. Sempre que ela pega o ônibus das 10h (R), ela
chega atrasada no trabalho e seu chefe desconta uma parte do salário (S+). A
perda do dinheiro retroage em sua resposta futura, diminuindo a probabilidade
de pegar o ônibus das 10h. Outro exemplo interessante é, quando, num jogo de
futebol (Sd), um jogador comete uma falta (R) e recebe um cartão vermelho do
juiz, sendo assim, obrigado retirar-se do jogo (S+).
A seguir temos um esquema explicativo da punição negativa:
Sendo assim, alguém poderia perguntar:
mas como é que certas respostas que parecem improdutivas para quem se comporta
são selecionadas? Isto é, como alguém aprende a ser agressivo, a ter fobias, a
ter manias ou compulsões, se todas essas respostas parecem fazer mal ao próprio
sujeito e às pessoas ao seu redor? A resposta é simples. Embora todos esses
comportamentos aparentemente inadequados tenham consequências aversivas, eles
também possuem consequências reforçadoras, as quais, provavelmente, têm maior
valor do que o efeito da punição apresentada. Para uma pessoa agressiva, por
exemplo, respostas mal-educadas podem ser repreendidas por certas pessoas em
seu meio de trabalho, mas em outro ambiente, como na família, elas podem estar
sendo reforçadas. As compulsões alimentares podem trazer um prejuízo em longo
prazo para quem come em excesso, mas o reforço imediato do alimento é o que
provavelmente mantém o comportamento de uma pessoa compulsiva e assim por
diante.
Para compreender como o comportamento é
mantido por fatores ambientais, o analista do comportamento precisa de um
minucioso estudo da relação entre o comportamento do cliente e o ambiente a que
ele foi e ainda é exposto. Cada um possui uma história única e ela deve ser
considerada com todas suas idiossincrasias. O profissional tem sua atuação
baseada em uma análise funcional, a qual consiste em analisar as funções do
comportamento do cliente no ambiente em que se insere, buscando dados
históricos e atuais, e, com isso, identificar variáveis de controle do
comportamento, antecedentes e consequentes. Ao compreender tais relações
funcionais, o profissional procura intervenções eficazes para a modificação dos
comportamentos-alvo, inserindo novas respostas ao repertório comportamental do
cliente e extinguindo respostas inadequadas (Rimm & Masters, 1983).
O uso do controle aversivo na terapia
comportamental não costuma ser um método utilizado por terapeutas dessa
abordagem. Diferente da sociedade em geral, que tem a punição como um padrão extremamente
popular na modelagem de respostas. E por que será que a punição encontra-se tão
comum na relação entre as pessoas? Simplesmente porque a punição possui grande
vantagem sobre os outros procedimentos para quem a aplica. Ela tem efeito
imediato, duradouro, completa supressão da resposta e seus efeitos podem ser
irreversíveis (Todorov, 2001). No entanto, muito tem se discutido nos últimos
anos, se seria a punição realmente a melhor forma de controlar os
comportamentos dos outros, pois, identificou-se que em longo prazo ela pode
gerar efeitos colaterais tanto para quem pratica, quanto para quem sofre a
punição. Os estímulos aversivos geram emoções aversivas, tais como a ansiedade,
reforça respostas de fuga e não garante a permanência dos efeitos imediatos percebidos
após a sua aplicação (Skinner, 1957). Além disso, ao aplicar a punição nada de
novo ou “adequado” é ensinado, a não ser novas respostas de fuga ou esquiva.
Diante dessas condições, o uso da
punição na psicoterapia comportamental como instrumento terapêutico pode se
tornar um método questionável. Afinal, como analista do comportamento, o
terapeuta possui um papel importante, o qual está focado em promover saúde e
bem-estar aos seus clientes, buscando soluções diferentes das que o ambiente
natural apresenta e diferente do que outras abordagens não científicas propõem.
Sidman (1989) afirma que o uso da punição é praticamente uma técnica exclusiva
nas interações dos seres humanos e que utilizar punição não é uma
característica de um terapeuta habilidoso. O autor enfatiza também que muito da
publicidade ruim da terapia analítico-comportamental vem do fato de as pessoas
confundirem “controle” com “coerção” e utilizar de técnicas coercitivas não
contribui para a promoção do trabalho do profissional analista do
comportamento.
Mesmo assim, Lerman e Vorndran (2002)
defendem que a utilização da punição deveria ser mais estudada no laboratório.
Afinal, nas últimas décadas, poucos dados foram coletados a respeito desse
método, devido a dificuldades com comitês de ética e de mitos formados sobre a
punição diante da escassez de resultados concretos, diminuindo assim, o
interesse de pesquisadores pelo método.
Polêmicas à parte, vale ressaltar que a
Análise do Comportamento (e qualquer outra ciência) não trabalha com garantias
e sim probabilidades. A pretensão da ciência é a previsão e controle das
variáveis ambientais, que, por conseguinte, possibilita a construção de
ferramentas para a solução de problemas humanos. É possível, porém, que as
técnicas de punição sejam falhas de fato, mas para que seja possível fazer essa
afirmação mais dados são necessários. Antes até de sugerir novas pesquisas que
tratem do tema, vale ressaltar algumas reflexões sobre o homem que se comporta
no mundo em que vive.
Segundo Sidman (1989), o mundo é
coercitivo por natureza, e a coerção natural dá origem à sobrevivência do mais
apto. Sendo assim, é questionável se o homem poderia de fato deixar de exercer
a punição nas relações com seus semelhantes. Visto que os comportamentos dos
indivíduos são aprendidos de maneiras idiossincráticas na interação
organismo-ambiente, estímulos ambientais se tornam aversivos de acordo com a
história de cada um. Desta forma, seria improvável que as pessoas conseguissem
deixar de punir umas as outras, pois não há como prever o que seria ou não
punição para os integrantes de um grupo específico. Diante desta condição, as
comunidades frequentemente procuram resolver esse problema considerando que
algumas perspectivas são compartilhadas culturalmente, possibilitando assim a
criação de leis governamentais. Certas funções comportamentais concordam entre
si dentro de uma cultura, o que possibilita então a redução de técnicas
coercitivas que causam sofrimento nas pessoas que compartilham o “mesmo” ambiente.
Mas, de forma alguma evita o uso da prática de punição entre seus membros.
O papel do analista do comportamento não
é apenas analisar e modificar os comportamentos humanos pouco aceitos na
sociedade, e sim quebrar paradigmas antigos que permanecem na sociedade por
séculos e que atrapalham a evolução da ciência. O “controle” do ambiente não
significa “coerção”, mas ela existe e está no cotidiano das pessoas
frequentemente, em qualquer parte do mundo. Cabe aos cientistas do
comportamento, estudá-la, controlá-la e se aproveitar dela de forma benéfica à
sobrevivência da espécie humana na Terra.
Por: Maíra Matos Costa
Por: Maíra Matos Costa
Referências Bibliográficas
Lerman, D. C.,
& Vorndran, C. M. (2002). On the Status of Knowledge for Using Punishment:
implications for treating behavior disorders. Journal of Applied Behavior Analysis,, 35, 431-464.
Rimm, D. C.
& Masters, J. C. (1983). Terapia Comportamental: técnicas e
resultados experimentais. 2ª
edição. São Paulo: Editora Manole.
Sidman, M. (1989/ 2001). Coerção e suas Implicações. Campinas:
Editora Livro Pleno.
Skinner, B. F. (1953). Ciência e Comportamento Humano. 11ª
edição. São Paulo: Editora Martins Fontes.
Todorov, J. C. (2001). Quem tem Medo de
Punição? Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, 3, 37-40.
Comentários
Postar um comentário