Como fazer uma boa Análise Funcional

Uma das grandes angústias do iniciante em Psicoterapia Analítico-Comportamental é a realização de uma análise funcional adequada. De acordo com Matos (1999) a análise funcional consiste em uma explicação de um evento pela descrição de suas relações com outros eventos. A autora explica que “as vantagens de uma análise funcional são que, além de identificar as variáveis importantes para a ocorrência de um fenômeno e, exatamente por isso, permitir intervenções futuras; ela possibilita o planejamento de condições para a generalização e a manutenção desse fenômeno” (Matos, 199, p. 13). 



A pergunta principal que devemos fazer a nós mesmos ao realizar uma análise funcional é: da onde vem o comportamento? Como já vimos anteriormente, sabemos que para qualquer tipo de comportamento (respondente ou operante) a explicação está sempre na relação do indivíduo com o ambiente, por isso, a partir de uma coleta de dados eficiente, podemos identificar de que forma os comportamentos-problema foram selecionados. A análise funcional serve para que o terapeuta visualize essas relações e consiga planejar uma intervenção adequada. Ou seja, é a base para qualquer trabalho do psicólogo.







De acordo com Meyer (2003, p. 76) “uma formulação da interação entre organismo e seu ambiente deve sempre especificar a ocasião em que a resposta ocorre, a própria resposta e as consequências reforçadoras. As inter-relações entre elas são as contingências de reforço”.



Para isso, podemos utilizar o seguinte exercício, que será descrito passo a passo, a partir de uma queixa fictícia:


Passo 1 – Diferenciar comportamentos e ambiente

J.R. é uma mulher de 32 anos que se queixa de depressão, a qual vem ocorrendo desde que terminou uma relação de 9 anos, quando pegou seu namorado com outra. A partir desse fato, ela relata que chora diariamente, engordou 12 quilos num período de 3 meses, isolou-se dos amigos e não se sente motivada para mais nada. É estudante de Direito e desde o término do namoro não consegue mais estudar, o que vem resultando em notas baixas. Muitas vezes fica em casa dormindo o dia inteiro, e de vez em quando, relata que passa algumas ideias suicidas em sua cabeça. Sua família passou a exigir mais dela, e cobra resultados através de muitas críticas, mas sempre que se sente triste e sozinha, a família tem ficado presente e consolado suas lamúrias.



Para começar nossa análise funcional, podemos pegar esses dados iniciais e separá-los em duas colunas, uma para comportamentos e outra para ambiente. Listamos tudo o que podemos coletar e em seguida, podemos corrigir possíveis erros de categoria, como mostra a figura a seguir (clique na imagem para ampliar).



Passo 2 – Identificar comportamentos de interesse

No caso de J.R., o padrão depressivo consiste em diversas topografias de comportamento, que juntos, costumam ser classificados como depressão, por exemplo, lamúrias, choro, alimentação excessiva, pensamentos suicidas, isolamento social, entre outros. Vamos pegar dois exemplos de comportamentos para analisar a seguir.

Passo 3 – Relacionar comportamento e ambiente

Quais são as condições antecedentes a esses comportamentos e que consequências os mantêm? Essa é a pergunta inicial que deve ser feita diante do contexto em que J. R. se encontra. A figura abaixo apresenta dois exemplos de análise funcional.


Para analisar as consequências, Matos (1999) sugere as seguintes perguntas:

a) É uma consequência reforçadora ou uma condição aversiva?

b) Sua ação se faz por apresentação, remoção ou impedimento?

c) O produto é grande, provável, imediato?

d) Existem produtos a longo prazo? Quais?

e) Os produtos são consequências naturais ou sociais?

As respostas às tais perguntas podem ajudar a entender algumas características de comportamentos operantes e, assim, permitem a predição e controle de situações nas quais elas ocorrem (Meyer, 2003). Ao analisar comportamentos respondentes, como sentimentos, por exemplo, a análise deve ser baseada apenas na condição antecedente, a qual controla tais respostas emocionais. Por exemplo, J. R. sempre que acessa a página da rede social de seu ex-namorado, sente-se triste e chora frequentemente. Diante desse fato, pode-se planejar a alteração do ambiente antecedente, que elicia respostas de tristeza, como bloquear o acesso a essas informações, por exemplo.


Concluindo, a análise funcional é o instrumento mais básico do terapeuta comportamental. Ao analisar contingências presentes e passadas da vida do cliente, as explicações para os comportamentos inadequados se tornam evidentes, possibilitando a alteração do controle de estímulos e o treinamento de novas habilidades mais adaptativas. 


Referências Bibliográficas

Matos, M. A., (1999). Análise Funcional Comportamento. Estudos de Psicologia, v. 16, n. 3., p. 8 – 18. Campinas.

Meyer, S. (2003). Análise Funcional do Comportamento. Em Costa, C. E., Luzia, J. C., & Sant’Anna, H. H. N. (Orgs.). Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição. (pp. 75-91). Santo André (SP). Ed: ESEtec.

Comentários

  1. Muito interessante o POST. Você conhece uma ferramenta que permite ao leitor transformar o texto do BLOG em .pdf? Sugiro utilizá-la. Eu mesmo adoraria ter este seu material arquivado.

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    1. Pois é, vc já havia me falado dessa ferramenta. Ainda não conheço, qual é?

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  2. Esses planejamentos também existem na TCC. Acho que eles beneficiam amplamente terapeuta e paciente [cliente].

    Mas, como sou novo na análise do comportamento, vou arriscar algumas questões que ficam para mim e que podem parecer até meio ingênuas. rs

    Por exemplo, eu fiquei imaginando aqui: na situação em que o apoio familiar da pessoa que sofre, frente às suas lamúrias e crises intensar, podem acabar reforçando esse tipo de comportamento, certo? Então a pessoa sempre que se sentir carente, instável ou vulnerável de qualquer forma, vai "apelar" a essa estratégia, pois é ela que traz o reforço incondicionado [carinho, afeto, atenção etc].

    Modos de se interromper esse processo: a) deixar de dar atenção quando a pessoa estiver se comportando dessa forma. b) diminuir a atenção nesses momentos e aumentar quando a pessoa estiver bem, estável, no controle de suas ações, alegre e tal.

    O primeiro item me pareceu meio cruel, então, acredito que se for usado no ambiente da clínica, não deve ocorrer exatamente da maneira que pensei, né? No segundo ponto, acho que seria até mais eficiente, pois reforçar comportamentos contrários aos que se quer extinguir é sempre mais eficiente do que ir direto para a extinção direta do comportamento indesejado.

    O que acha?

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  3. Veja bem Felipe... O comportamento da lamúria talvez seja o padrão mais frequente que aparece em contexto clínico. O fato de as pessoas reforçarem tais comportamentos foge um pouco do nosso controle.
    Quando trabalhamos com crianças e adolescentes, podemos até orientar os pais para não reforçarem essas respostas inadequadas. Quando lidamos com casais ou família, também é um contexto favorável a esse tipo de intervenção.
    Fora isso, ensinamos o cliente a questionar suas próprias lamúrias. Ao fazer isso, o processo de extinção já se inicia. Por exemplo, se a pessoa diz "Ah, eu sou feio e chato. Ninguém me ama, ninguém me quer!" e o terapeuta pergunta "O que faz você acreditar que é feio? Que tipo de coisas acontecem no ambiente que faz você achar que é chato?".
    Essas perguntas do terapeuta colocam esse tipo de lamúria em extinção, porque não servem como reforços que a sociedade comumente aplica, como, por exemplo "Que nada, você é lindo!".
    Além de extinguir a lamúria, o terapeuta ensina o cliente a observar a si próprio e a questionar seus pensamentos. Por exemplo, "se eu sou chato, será que tem algo que eu faço sempre que aborrece as pessoas? Existe outra forma melhor de agir?" e assim por diante.
    Deu pra entender?

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  4. ""O que faz você acreditar que é feio? Que tipo de coisas acontecem no ambiente que faz você achar que é chato?".

    Hum...e se ele responde que de fato as pessoas dizem que ele é feio e chato? rs COmo proceder?

    "porque não servem como reforços que a sociedade comumente aplica, como, por exemplo "Que nada, você é lindo!"."

    Caramba, pior que é mesmo.

    Muito interessante e prática essa sacada de que o questionamento por parte do terapeuta e por parte do próprio cliente já funcionem como técnicas de extinção.

    Entendi sim! Obrigado!

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    1. Lacan, Psicanalista francês, afirma que não há nada alem das palavras. Pois se o cliente afirma que é feio, o analista deve responder: Sim você diz que é feio, então você é feio.

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  5. Se as pessoas estão achando ele chato de fato, devemos perceber que tipo respostas são essas que chateiam as pessoas e treinar habilidade melhores. Quanto ao fato de ele ser feio, podemos pensar em duas hipóteses: 1) Treinar habilidades de auto-cuidado, que favoreçam uma aparência melhor e 2) Questionar conceitos sociais de beleza e aprender a se adaptar à sociedade preconceituosa da melhor forma possível, com essa mesma cara que Deus lhe deu!
    Entendeu?

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  6. Olá, muito bom os textos. Você tentei encontrar as referências pela internet, mas não consegui. Você tem elas, se sim acha que consegue passar?

    Obrigada
    Aline

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  7. Oi Aline! Desculpe a demora, mas tenho tido pouco tempo de postar no meu blog. Essas referências são difíceis mesmo. Ainda está precisando? Se sim, a gente sempre dá um jeito de mandar pelo correio. Bjinhos.

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  8. Olá!
    Vi que você citou dois artigos. Teria um livro excelente para me indicar sobre a análise funcional do comportamento?

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  9. Que legal estou me deliciando com tudo, sou estudante ainda.

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  10. Perfeito e continua fazendo esses post, ajuda muito , obrigado por compartilhar o seu conhecimento..
    abraço

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