O Comportamento Verbal


Há muito o conceito de linguagem tem se mostrado um tema controverso no que diz respeito a sua categorização dentro dos estudos psicológicos. Por ser uma característica exclusivamente humana, as abordagens não-comportamentais juntamente com o senso comum costumam separar a fala em uma categoria diferente da de outros comportamentos não-verbais. Nesse contexto, Skinner (1957) comenta que antes das pesquisas na Psicologia evoluírem para o campo analítico-comportamental, sistemas extremamente elaborados já haviam se ocupado da descrição da linguagem, tais como a gramática, a lógica, a lingüística, a patologia da fala, entre outros. Embora tenham trazido contribuições para o conhecimento científico atual, nenhuma dessas disciplinas conseguiu formular de fato uma descrição apropriada que tornasse o objeto de estudo mais preciso e simplificado. Mas afinal, seria o comportamento verbal diferente de outros tipos de comportamento?


Dentro da história filogenética da espécie humana, um fato específico possibilitou uma enorme ampliação no potencial de ação no ambiente social: a evolução da musculatura vocal. Essa musculatura, em determinado momento, passou a ficar sob controle operante, ou seja, foi controlada por suas consequências. Assim, o comportamento vocal do homem, não mais foi caracterizado como um padrão fixo de ação, característico de espécies não humanas, fato este que possibilitou a diferença crucial entre as duas espécies (Skinner, 1957). Segundo Hineline (2003) mudanças, tais como a qualidade da respiração proporcionada pelo bipedalismo humano, permitiram a seleção de capacidades finas para a discriminação entre vocalizações. Sendo assim, essas capacidades progrediram paulatinamente sob a linha do tempo, e estabeleceram-se de tal forma que permitiram ao homem, diversas outras capacidades corolárias a esse comportamento.


         Skinner (1957) quebrou uma barreira paradigmática ao postular princípios operantes para comportamento verbal humano. O autor propõe uma explicação simples, que torna desnecessária a busca por explicações invisíveis ou duvidosas e, além disso, ressalta o princípio proposto por Darwin sobre continuidade entre as espécies. Segundo o autor, comportamento verbal pode ser definido como todo aquele que necessita de reforço mediado por outras pessoas. Por conseguinte, esse tipo de comportamento possui efeito indireto no ambiente, por alterar o comportamento de outros membros do grupo. Dessa forma, um sujeito (falante) que ao emitir determinado som, como, por exemplo, “com licença”, pode afetar o comportamento de outra pessoa (ouvinte), a qual pode perceber tal estímulo sonoro como uma ocasião para sair do caminho da pessoa que lhe solicitou tal comportamento. Essa relação entre falante e ouvinte foi chamada por Skinner de episódio verbal total.


         Assim, qualquer movimento capaz de afetar outro organismo pode ser considerado verbal, tais como vocalizações, gestos, expressões faciais e a escrita. A consequência mais básica do comportamento verbal é que através dele, os falantes mudam o comportamento dos ouvintes. Dessa forma, o comportamento verbal tende a acontecer em ambientes em que provavelmente será reforçado, tal como qualquer outro tipo de comportamento (Baum, 1994).



Skinner (1957) explica que para que o comportamento verbal seja reforçado é crucial a presença de falantes e ouvintes com treinamentos semelhantes, pois, dessa forma, um reforço específico poderá ser disponibilizado. Além disso, as pessoas que escutam e reforçam o comportamento do falante são consideradas por ele como audiência e fazem parte do que o autor chama de comunidade verbal. Sendo assim, tal tipo de comportamento possui natureza social, ou seja, necessita de outras pessoas para ser adquirido e mantido.
         Além disso, Skinner (1957) afirma que o comportamento verbal possui tantas particularidades topográficas, que certamente necessitaria de tratamento especial, mas, no entanto, ainda é considerado um comportamento operante como qualquer outro. Devido a sua extrema complexidade, o autor categorizou tal comportamento em oito diferentes operantes verbais: mando, tato, ecóico, textual, tomar ditado, intraverbal e autoclítico. Com essa categorização o autor pretendeu facilitar a compreensão das circunstâncias em que tais comportamentos ocorrem. Assim, os operantes verbais ressaltam as relações funcionais existentes entre ambiente e comportamento, deixando a topografia ou estrutura comportamental em segundo plano.


Os operantes verbais
Dentre os operantes verbais identificados por Skinner (1957), o mando é caracterizado por ser aquele em que o reforço é claramente especificado e está sob controle de uma operação estabelecedora, privação ou estimulação aversiva. Quando alguém emite o comportamento verbal, como por exemplo, “Me dê um copo d’água, por favor!”, essa frase indica uma situação de privação do falante e especifica o reforçador para aquele comportamento. Geralmente, o mando é exemplificado por ações do senso comum tais como, ordens, pedidos, súplicas, conselhos, entre outros, e funciona, principalmente em benefício do falante (Skinner, 1957).



O tato foi definido por Skinner (1957) como uma resposta verbal controlada por estimulação não verbal. O autor classificou dois tipos de estímulos não verbais que controlam o tato. O primeiro refere-se às pessoas, que caracterizam a audiência e o segundo são os objetos inanimados e acontecimentos, que caracterizam o meio físico. A palavra “tato” foi sugerida por Skinner por derivar da palavra “contato” com o mundo material, assim, topograficamente, tal operante verbal assemelha-se a descrições, afirmações, conselhos e avisos. O reforço para a aquisição do tato é generalizado ou social (p. ex. atenção) e é geralmente disponibilizado pela comunidade verbal, a qual reforça diferencialmente o comportamento verbal de um indivíduo. Por exemplo, uma criança ao falar “vermelho” diante de um objeto vermelho é reforçada com a atenção dos pais que dizem “muito bem!” e assim por diante (Skinner, 1957).



         Tanto o ecóico quanto a cópia possuem como antecedente um estímulo discriminativo verbal, similaridade formal e correspondência ponto a ponto. Ou seja, ao escutar uma pessoa dizendo a palavra “casa”, por exemplo, o sujeito pode responder de forma semelhante dizendo também a palavra “casa”, nesse caso, esse seria um exemplo de ecóico. O ecóico é considerado por Skinner (1957) a forma mais simples de comportamento verbal seguido de antecedente verbal. Esse está presente no repertório de crianças em desenvolvimento da fala, nas rimas, em repertórios “patológicos” como a ecolalia, entre outros. O operante verbal da cópia caracteriza-se pelo comportamento controlado pelo antecedente verbal de uma palavra escrita, como por exemplo, na presença da palavra escrita “casa” a pessoa escreve de forma semelhante a mesma palavra “casa”. A diferença entre esse tipo de operante e o ecóico, é que a cópia produz um estímulo visual e não sonoro, mas que, não por isso, o descaracteriza como verbal.



Os operantes verbais que são controlados por antecedentes verbais, possuem correspondência ponto a ponto, mas que não têm similaridade formal são categorizados como textual e tomar ditado. O comportamento textual é mais conhecido pelo senso comum como o comportamento de ler, ou seja, diante de uma palavra escrita, como “livro”, por exemplo, a pessoa responde vocalmente produzindo um padrão sonoro “livro”, correspondente ao que está escrito. O tomar ditado constitui um comportamento semelhante ao textual, porém, oposto. O estímulo verbal antecedente do tomar ditado é sempre um estímulo verbal sonoro, ou seja, uma pessoa ao escutar uma palavra dita por outra, se comporta escrevendo símbolos correspondentes, em sua cultura, ao som da palavra emitida.
O intraverbal é o operante que se caracteriza por possuir também como antecedente um estímulo verbal, porém, não há correspondência ponto a pontonem similaridade formal. Dentro de diferentes culturas encontra-se intraverbais que estão arraigados nos repertórios verbais das pessoas, como por exemplo, quando alguém fala “batatinha quando nasce...” e outra pessoa responde “...esparrama pelo chão!”, ou quando alguém pergunta “em que ano foi abolida a escravatura no Brasil?” e a outra pessoa responde “1888”. O autoclítico foi definido por Skinner como um operante verbal que modifica o próprio comportamento verbal e que aumenta a discriminação pela audiência das verbalizações do falante. O autoclítico é um comportamento verbal de segunda ordem, e depende de outros operantes verbais para ocorrer. Esse operante verbal possui classes que incluem os autoclíticos descritivos, qualificadores, quantificadores, de relação ou de manipulação. A frase “todos os sanduíches fazem mal à saúde” representa um autoclítico quantificador e difere da frase “alguns sanduíches fazem mal à saúde”. Ambas as frases esclarecem um pouco mais sobre a história do falante, e, por conseguinte, auxiliam o ouvinte a discriminar certas particularidades de sua fala (Skinner, 1957).



Skinner (1957) ressalta que a causação múltipla é crucial para a explicação do comportamento verbal, ou seja, segundo o autor “a força de uma única resposta pode ser, e usualmente é, função de mais de uma variável...” e “uma única variável costuma afetar mais de uma resposta” (p. 273). Passos (2003) exemplifica a causação múltipla com uma situação de laboratório na qual um estudante ao emitir um comportamento verbal “treze”, contabilizando o número de pressões à barra de seu sujeito experimental, está sob controle de determinado estímulo não-verbal (o comportamento do rato), mas também está sob controle de seu próprio comportamento verbal anterior “doze”. Portanto, nesse caso, o comportamento verbal do estudante pode ser classificado como tato e intraverbal ao mesmo tempo. Baum (1994) explica também que, em cada contexto uma verbalização qualquer pode assumir diferentes efeitos sobre o ouvinte e que, em cada um deles, tal verbalização pertenceria a uma atividade verbal diferente. Assim, no estudo do comportamento verbal, uma correspondência ponto a ponto entre estímulo discriminativo e atividade verbal é inexistente. Tal como em outras atividades operantes, o comportamento verbal não pode ser definido apenas por suas consequências, o contexto também deve ser levado em consideração.
Referências Bibliográficas

Baum, W. M. (1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, Comportamento e Cultura. Porto Alegre. Ed: Artmed.
Hineline, P. N. (2003). When we speak of intentions. Em K. A. Lattal & P. N. Chase (Eds.), Behavior theory and philosophy (pp. 167-185). New York: Kluwer Academic / Plenum Publishers.
Passos, M. L. (2003) A análise funcional do comportamento verbal em Verbal Behavior (1957) de B. F. Skinner. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5, 2, 195-213.

Skinner, B. F., (1957). O Comportamento Verbal.São Paulo. Ed: Cultrix.

Comentários

  1. Parabéns!!!! Além de muito bem escrito, seu texto é ideal para pessoas leigas como eu. Já havia consultado diversos sites e não entendi o que eram os termos que eu estava buscando, mas quando li sua explicação, compreendi perfeitamente!!!!!!

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